Revista Nómadas
Dirección de Investigación y Transferencia de Conocimiento
Carrera 5 No. 21-38
Bogotá, Colombia
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Regina Horta Duarte*
Natascha Stefania C. Ostos**
* Agradecemos a Karina Ribeiro, apoyo CNPq, por la ayuda en la recolección de fuentes.
** Doctora profesora del departamento de Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, apoyo CNPq. E-mail: Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla.
*** Alumna de graduación, Departamento de Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Apoyo Prograd/CNPq. E-mail: Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla.
El presente trabajo enfoca los eventos, prácticas y discursos en torno a las celebraciones del Día del Árbol entre el comienzo del siglo XX y la década de 1970, explorando los diferentes significados atribuidos al evento, en distintos momentos históricos de la sociedad brasileña. Para tanto, privilegiará un estudio de caso, la ciudad brasileña de Belo Horizonte, idealizada desde su construcción, en 1897, como “ciudad jardín”.
Palabras clave: historia ambiental urbana, Brasil republicano, árboles urbanos, Ciudad Jardín, historia de las ciudades, día del árbol.
O presente trabalho enfoca os eventos, práticas e discursos ao redor das celebrações do Dia da Árvore entre o começo do século XX e a década de 1970, explorando os diferentes significados atribuídos ao evento, em diferentes momentos históricos da sociedade brasileira. Para tanto, privilegiará um estudo de caso, a cidade brasileira de Belo Horizonte, idealizada desde a sua construção, en 1897, como “cidade jardim”.
Palavras-chaves: história ambiental urbana, Brasil republicano, árvores urbanas, cidade jardim, história das cidades, dia da árvore.
The present study focuses on facts, practices and discourses about the Arbor Day celebrations, from the beginning of the 20 th century to the Seventies, exploring different meanings of this event in different historical moments of the Brazilian society. The city of Belo Horizonte, idealized since its foundation, in 1897, as a “garden city”, is the specific object of this case study.
Key words: Urban environmental history, republic in Brazil, urban trees, garden city, cities’ history, arbor day.
O Dia da Árvore foi comemorado no Brasil, pela primeira vez, na cidade de Araras, no Estado de São Paulo, em 1902. A República fora recentemente proclamada, em 1889, por setores militares ligados às correntes positivistas, com o apoio das oligarquias cafeeiras agro-exportadoras. Ao longo da história da República brasileira no século XX, esse marco comemorativo acabaria por se tornar uma data repleta de conteúdos políticos, culturais e econômicos. A festa apresenta-se como momento privilegiado para o estudo das relações entre as cidades –:em pleno processo de urbanização– e suas árvores, pois nela se evidenciam diversos discursos e concepções do que elas representavam para os citadinos, além do surgimento de práticas claramente intencionais de estímulo a novas atitudes em relação à vegetação urbana. No caso específico do Brasil, os festejos sempre ocorreram no mês de setembro, início da primavera no país.
No sudeste, região mais rica e integrada aos setores agro-exportadores de café, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo apresentavamse em franca urbanização, com abertura de avenidas, políticas públicas de higienização e combate aos conjuntos pobres de habitação, os cortiços. Em Minas Gerais –região detentora da assombrosa riqueza mineral que, no século XVIII, locupletou de ouro e diamantes o carregamento de vários navios em direção à Europa– as elites buscavam dinamizar a economia através de mudanças estruturais e modernizadoras. Nesse contexto, forjouse o projeto de construção de uma nova capital, em substituição à cidade barroca de Ouro Preto, identificada com as mazelas atribuídas ao período monárquico e aos governos da dinastia de Bragança. A nova urbe deveria afigurar-se como moderna, racional, construída em linhas e ângulos retos, com largas avenidas, parques e praças e uma ampla arborização. O nome escolhido para a “cidade- republicana-modelo” foi Belo Horizonte. Seu projeto foi inspirado na concepção de Cidade Jardim, elaborada pelo inglês Ebenezer Horward, e contava com uma avenida delimitadora de seus contornos, para além da qual situava- se uma zona rural, destinada à lavoura e produção de bens de subsistência para provisão de alimentos da nova capital (Silva & Silveira, 1994: 13-34; Julião, 1997: 34-39; Mumford, 1965: 654-667). No interior desses limites, idealizavam-se muitas praças e jardins que garantissem condições higiênicas , “um verdadeiro laboratório de oxigênio” (DM/09/ 29/1912), gerando um equilíbrio orgânico e racional, numa cidade cujo ar seria puro, o sol e a beleza da paisagem seriam mantidos em prol do bem estar dos habitantes e do seu aprimoramento moral e estético, civilizando- os: as árvores passavam a ser parte essencial do cenário arquitetônico (Thomas, 1996: 249). Tal concepção foi apropriada à luz das práticas conservadoras e elitistas da República de então, com a clara exclusão das populações pobres e do alijamento das classes trabalhadoras em locais periféricos e não privilegiados pelos projetos higienistas de embelezamento urbano.
Em Belo Horizonte, as primeiras notícias das comemorações do Dia da Árvore datam da década de 1910. Durante os primeiros anos, houve alguma variação no dia escolhido, mas, em 1925, um decreto federal oficializou o 21 de setembro em todo o país. Apesar da variação na freqüência e intensidade dos festejos no decorrer do século, há uma surpreendente repetição de vários temas e práticas, tais como o elogio da beleza e da utilidade das árvores, o insistente discurso da necessidade de preservá- las, o plantio e a distribuição de mudas de espécies nativas, a organização de desfiles estudantis, discursos e palestras por autoridades diversas, festas nas escolas e, especialmente, uma renitente associação entre árvores e Nação. Mas cabe ao historiador explicar tais persistências, torna-se tão ou mais relevante analisar a sua historicidade. Tais recorrências não permitem concluir uma simples continuidade das mesmas atitudes. Antes, é preciso ter em mente que, se as práticas e discursos dos vários atores históricos, ao longo das décadas, assemelham-se na superfície das palavras e das ações, “as coisas que eles dizem não são todas ditas em uma mesma modalidade de discurso” (Williams: 1989: 25). O olhar mais atento pode evidenciar como os mesmos temas foram revestidos de significados diferentes, em épocas de enfrentamento de valores e interesses diversos no âmbito da sociedade brasileira.
Projetada como “cidade-jardim”, Belo Horizonte comemorou muito timidamente o Dia da Árvore nas primeiras três décadas do século passado. Ocorreram eventos escolares com a presença de autoridades, plantio de árvores, canto de hinos patrióticos e declamação de poemas. O Dia da Árvore era uma festa organizada por adultos –e as professoras e normalistas sempre se destacavam nas programações– mas dedicada exclusivamente ao público infantil. Estimulava-se o amor às árvores, simultaneamente aos ensinamentos de patriotismo e de respeito à família e seus valores.
Até meados dos anos 1920, a comemoração do Dia das Árvores foi inúmeras vezes realizada no mesmo dia da data da Proclamação da Independência do Brasil, 07 de setembro, numa clara associação entre a Nação e a natureza de seu território.Ganharam destaque as festas do primeiro centenário, em 1922, nos jardins do Palácio da Liberdade, sede do governo do Estado de Minas, quando vozes vibrantes de crianças saudaram um ipê amarelo e um cedro, os quais foram incumbidos de levar aos brasileiros do século XXI “mensagens de fraternidade infantil e bênçãos da geração hodierna”. Elas deveriam testemunhar, “no farfalhar augusto da frondosa centenária”, o momento de seu plantio. Ao lado de autoridades políticas, alunos de escolas públicas cantaram um hino às árvores. Dentre eles, os vencedores do “Concurso do Centenário”, plantaram as mudas. Junto a cada uma das árvores-monumento, placas perpetuavam os nomes do presidente do Brasil e de Minas Gerais, além da data do centenário da Independência. (DM, 07,09,13/ 09/1922). Aos simbolismos presentes nas cores do ipê (relacionadas com a bandeira do Brasil, verde e amarelo) e na associação do cedro às florestas brasileiras, somavam-se as intenções investidas na identificação entre a nação e as árvores1. Na idealização de um futuro para o Brasil, delineavam-se os projetos políticos então predominantes. As árvores surgiam como um verdadeiro monumento histórico, resultando do esforço daquela elite para “impor ao futuro determinada imagem de si própria” (Le Goff, 1984: 103).
Apesar do destaque dado à festa em 1922, os jornais passam alguns anos sem noticiar o Dia da Árvore. Por vezes, a comemoração incluía atitudes eivadas de ambigüidade, como se evidencia na crítica de um comentarista ao plantio, nessa ocasião, de pés de café, grande produto de agroexportação do Brasil naqueles anos2. Mesmo assim, duas imagens são particularmente constantes. Uma primeira associa árvore e maternidade. Desde o berço ao esquife, os homens seriam abrigados pelas árvores, alimentando- se de seus frutos, refrescando-se em suas sombras. Generosa e abnegada, a árvore se sacrificaria pelo homem, assim como nas idealizações, na época, da mãe exemplar. Numa ideologia dominante da família como núcleo básico da organização social –e portanto numa visão claramente biológica da sociedade– tal analogia consolidava o cultivo de valores que interligavam sombra/alimento/proteção ao amor às árvores, à família, à sociedade e, especialmente, à Nação. Como nota um historiador inglês, Durkheim talvez se equivocou ao sugerir que, ao adorar a Deus, os homens na verdade adoravam a sociedade: “ele estaria muito mais perto da verdade se afirmasse isso a respeito do culto às árvores”. (Thomas, 1906: 266). Assim, se as árvores foram monumentos das festas do Centenário, também foram investidas de associações à maternidade e à nação brasileira, grande “mátria”.
Em segundo lugar, a árvore era apresentada quase como um totem, elo entre o homem e a natureza, mediado pela nação. Entretanto, ao invés de estabelecer diferenças entre os homens, como nos clãs totêmicos (Levi-Strauss, 1980: 157), as árvores evocavam uma nação na qual todos se reuniriam afetiva e cooperativamente. No primeiro quartel do século XX, emergiram discursos nacionalistas de profunda crítica aos modelos liberais ortodoxos de organização social, associados à espoliação do Brasil pelas grandes potências imperialistas. Além disso, as elites temiam o acirramento dos conflitos sociais desencadeados pela industrialização e enfrentamentos entre patrões e trabalhadores, pela ascensão dos movimentos socialistas, anarquistas e comunistas e a ocorrência de expressivas greves. A visão biológica e corporativa do corpo social opunha-se a tudo isso e propugnava uma convivência baseada na harmonia e cooperação, tornando-se a árvore um símbolo máximo desses valores.
Tal organicismo era também bastante coerente com a própria noção de cidade-jardim adotada pela elite republicana, na qual se concebia o espaço urbano como um conjunto de partes relacionadas e interdependentes.
As décadas de 30 e 40 assistiram à efetivação de um projeto político autoritário e centralizador, já esboçado no governo provisório de Getúlio Vargas e estabelecido, entre 1937 e 1945, no regime ditatorial instalado através de um golpe de estado. Foi um período de profunda rejeição do federalismo e da descentralização política dos primeiros anos da República, assim como da vitória de práticas corporativistas de organização da sociedade, abrangendo aspectos educacionais, sindicais, partidários, além de uma ampla propaganda da atuação de Vargas, projetado como grande pai à frente de uma nação harmônica e constituída por um povo trabalhador e pacífico (Gomes, 1982: 109- 164; Iglesias, 1995: 231-257).
A Constituição outorgada de 1937 sistematizou uma concepção de patrimônio nacional, constituído por bens móveis e imóveis, cuja conservação seria de interesse público por sua vinculação à história, pelo valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico, assim como os monumentos naturais, como sítios e paisagens (Lei 25, 30/11/1937, cap. 1, artigo 1). Consolidava-se a imagem da natureza como bem público a ser protegido pelo Estado. Esta ação governamental mostraria seus claros limites: a apropriação dos ideais preservacionistas ocorreu apenas na medida em que os caminhos políticos do governo de Getúlio Vargas fossem legitimados. A fundação de parques nacionais, na época, não privilegiou ecossistemas de grande biodiversidade, mas sim áreas próximas a grandes centros, proporcionando lazer às crescentes massas urbanas –como o de Itatiaia e Serra dos Órgãos– ou em áreas geograficamente estratégicas, como Iguaçu. A preservação do patrimônio natural era, indubitavelmente, importante nos projetos do governo Vargas. Mas, além de seu simbolismo cultural e político, a natureza para além dos parques apresentava-se principalmente como fonte de riquezas exploráveis para o desenvolvimento econômico, e os projetos industrializantes emergiram como o comprometimento essencial do Estado Novo (Garfield, 2004; Drummond, 1997: 141-208). Nesse contexto, aprofundaram- se as identificações árvore/ família/sociedade/nação e as comemorações do Dia da Árvore tornaram-se verdadeiros exercícios de práticas cívicas, por todo o país.
Em Belo Horizonte, os festejos excederam os muros das escolas e ganharam praças e ruas, mantendo as tradicionais práticas de plantio de mudas, execução de músicas patrióticas e do hino nacional, recitais de poesias e odes às árvores. Além das crianças, participam jovens de escolaridade maior, assim como pessoas ligadas a órgãos públicos de fiscalização florestal e conservação. A festa deixou, pois, de ter um caráter meramente infantil e as comemorações do Dia da Árvore passaram a interessar também aos adultos. Gradativamente, definiam- se novos rumos para os eventos ligados ao Dia da Árvore em Belo Horizonte. A cidade crescera bastante, com o surgimento de inúmeros novos bairros, pobres e periféricos, com grandes avanços desordenados sobre áreas verdes. Nas áreas centrais, a ocupação crescente determinava a construção de novos prédios e conjuntos habitacionais, com conseqüente derrubada de muitas árvores. Nos arredores da capital, a destruição florestal tornava-se cada vez mais grave, pois o crescimento da siderurgia em Minas Gerais desertificava as paisagens do Estado com uma rapidez incrível. Durante as festas do 21 de setembro, tais fatos eram lamentados de maneira ambígua: ao mesmo tempo em que se criticava a destruição do patrimônio público, insistia-se na idéia da excelência da siderurgia para o progresso da nação, mostrando a urgência de soluções para o problema da falta de madeira para o carvão necessário (EM, 23/09/1943; 21/09/1948; 22/ 09/1948).
Tais mudanças se aprofundaram ao longo dos anos 50 e 60. Belo Horizonte viveu um surto industrial e um aumento populacional expressivo. Novos bairros foram abertos, novas ruas e avenidas foram instaladas, com a ação do “impiedoso machado municipal”, num momento em que todo o país vivia uma euforia desenvolvimentista, com grande entrada de capitais estrangeiros. A popularização do automóvel tornouse um dos símbolos do progresso: em 1964, quando a população era de cerca de 700 mil habitantes, a frota em circulação alcançou a marca de 50 mil carros (Souza, 1964). Muitas ruas e avenidas foram alargadas, com o sacrifício de frondosas árvores existentes em suas margens. Um poema publicado na imprensa local, intitulado “Protesto”, clamava ao prefeito: “ó decepador de árvores! Diante de vós, minha alma deblatera contra vossa loucura destruidora!” (Lago, 1964).
Curiosamente, foi justamente nessas décadas que as comemorações do Dia da Árvore se tornaram mais destacadas, alcançando maior espaço na imprensa e envolvendo uma participação mais heterogênea. Os eventos ligados à data passam a ocorrer em vários espaços da cidade e abordavam uma questão bem mais ampla do que a arborização urbana. Assistiu-se à inserção definitiva da questão florestal na pauta das políticas públicas, num contexto em que o avanço da indústria siderúrgica em Minas fez desse estado o maior consumidor de lenha e madeira do Brasil, constituindo- se no território de maior potencial de minério de ferro, cuja dinamização reclamava milhões de metros cúbicos de carvão. Em 1962, foi criado o Instituto Estadual de Florestas, cuja ação tinha como objetivo principal plantar, anualmente, milhões de mudas, alimentando o parque siderúrgico de Minas Gerais. Apontava-se o avanço do eucalipto como uma “marcha para a prosperidade” (EM, 21/ 09/1957, EM, 22/09/1965).
Belo Horizonte passou a ser o centro organizador do reflorestamento do território mineiro por matas de eucalipto, com o predomínio dos interesses do grande capital das siderurgias e das empresas de reflorestamento. Diversificam- se incrivelmente os locais e instituições envolvidas nos eventos: escolas, praças e ruas, sedes sociais do Rotary e Lyons Clubes, Palácio do Governo, refinados clubes esportivos, sedes de órgãos de policiamento, prédios de bancos estatais e da reitoria da Universidade de Minas Gerais. Novos personagens fizeram-se presentes, como autoridades da prefeitura, membros de órgãos estatais de vigilância florestal e de associações de crédito para reflorestamento, além dos diretores de empresas siderúrgicas de capital estrangeiro, presentes no estado de Minas Gerais e com sede administrativa em Belo Horizonte, como Mannesman e Belgo- Mineira. Esta última empresa atuava desde os anos 20 em Minas, e queimava, nos anos 50, 450 m3 de madeira nativa por ano para alimentar seus fornos, o que a levou a instaurar reservas de matas de eucalipto. (Dean, 2000: 270-271). O primeiro corte em suas reservas ocorreu na primavera de 1954 e foi objeto de grandes festejos, com a presença de Juscelino Kubitschek, então governador do Estado de Minas Gerais3.
As falas das professoras primárias seriam substituídas por discursos de técnicos sobre a necessidade de alimentar de carvão o parque siderúrgico de Minas através do reflorestamento, garantindo ainda o fornecimento de celulose. Tornouse comum a realização de palestras de engenheiros agrônomos sobre temas como os benefícios do plantio do eucalipto, sua defesa ambiental, arborização urbana, carvão e siderurgia. A ênfase de todas essas práticas deixou de recair na noção nacionalista do patrimônio público a ser protegido –como ocorria anteriormente– para sintonizarse a uma agressiva defesa do desenvolvimentismo. O culto às árvores fazia- se paralelo à defesa da siderurgia necessária ao progresso. A árvore símbolo não era mais nem o ipê, o cedro ou qualquer espécie nativa do Brasil –mesmo que as comemorações sempre incluíssem o plantio de algumas dessas árvores em áreas mais nobres da cidade–, mas a grande estrela era o eucalipto. Essa árvore passou a ser apontada como a solução para o problema da devastação das florestas, elogiada por seu crescimento impressionantemente rápido, por representar um investimento financeiro de retorno garantido e por garantir suprimento energético para as siderúrgicas ávidas de mais e mais carvão para funcionar a todo o vapor , além de fornecer celulose para o papel e grafite para lápis (curiosamente, uma das muitas comemorações do 21 de setembro, incluiu, em 1962, a distribuição de lápis a todos os estudantes das escolas públicas de Belo Horizonte) (EM, 21/09/1962).
Mesmo em plena e repressiva ditadura militar, instalada após o golpe de 1964 com o apoio decisivo das elites do estado de Minas Gerais, algumas vozes dissonantes apontavam as responsabilidades da prefeitura na destruição das árvores urbanas em nome do progresso. A prefeitura, obviamente, apresentava- se de maneira contrária, sempre noticiando a arborização das ruas e organizando efusivas festividades no Dia da Árvore que, a partir de 1965, foram estendidas, com a criação, em torno do dia 21, da Semana Florestal. Em propagandas de jornais e cartazes, a prefeitura convidava os belo-horizontinos para uma intensa programação de desfiles, plantio de mudas, premiação de alunos ganhadores de concursos de redação sobre as árvores e palestras diversas, afirmando-lhes: “vê, estão voltando as flores, sua cidade é jardim outra vez” (EM, 19/ 09/1965).
Outras falas minoritárias associavam o avanço da siderurgia à destruição das matas nativas (EM, 23/09/1966; 21/09/1969). Segundo matéria do jornal Estado de Minas, o principal veículo de imprensa de Minas Gerais, a destruição seguira o seguinte ritmo: em 1911, Minas possuiria 47,8% de seu território de florestas; área que teria sido reduzida a 28,6% em 1950; 7% em 1960 e, alarmantemente, 2% em 1965 (EM, 21/09/1969: 5). Uma estimativa apontava uma diminuição das florestas nativas em Minas, entre 1950 e 1964, de 91 mil km2 para 35 mil km2 de floresta nativa (Dean, 2000: 291). Os dados evidenciavam, implicitamente, o aumento da devastação justamente nos anos de incremento da siderurgia no estado.
Tais críticas, entretanto, eram raras e tanto a destruição das matas como a questão ecológica não apareciam na pauta das lutas predominantes da esquerda naqueles anos. Em primeiro lugar, aqueles eram anos duros na história da sociedade brasileira, marcados pela ditadura militar, pela censura, pela violência e cerceamento dos direitos políticos. A questão ecológica aparecia nos meios intelectuais e acadêmicos como um tema de exclusivo interesse do chamado Primeiro Mundo, como se esses problemas só fizessem parte de um patamar superior de preocupações. Apesar da emergência dos movimentos ecológicos internacionais, a relação com a natureza foi muitas vezes considerada como uma temática secundária frente à miséria, ao analfabetismo, ao desemprego, à falta de moradia e, principalmente, diante da ausência de democracia no Brasil (Zhouri, 1992: 65; Barbieri, 1997: 24).
Por outro lado, o apelo desenvolvimentista também consistia num argumento extremamente sedutor e quase inconteste naqueles anos, mesmo para os setores de esquerda, emergindo como uma fórmula mágica e comum aos discursos de tendências políticas as mais diversas. O desenvolvimentismo – inegavelmente um discurso historicamente produzido nas condições históricas do pós-guerra– tornou-se uma representação hegemônica, desqualificando os que dela ousavam divergir e dificultando que quaisquer práticas em outros parâmetros pudessem parecer plausíveis e razoáveis aos contemporâneos (Escobar, 1995: 3-21).
Paradoxalmente, as siderúrgicas foram muitas vezes apresentadas como grandes defensoras ambientais e principais agentes de preservação, já que precursoras de ações de reflorestamento. A Belgo-Mineira, por exemplo, plantou trinta milhões de árvores na década de 1950 para garantir fornecimento de carvão. Previa a meta de quatro mil hectares de eucaliptos por anos até que se alcançasse a marca de trezentos milhões dessas árvores, garantindo a produção de quinhentas mil toneladas anuais de aço (EM, 21/09/1958; 20/09/1959). Muitos defendiam que as maiores devastações tinham sido realizadas desde épocas remotas, por agricultores e criadores de gado que lançavam mão do machado e do fogo indiscriminadamente, em um contexto em que não se dava nenhum valor às riquezas florestais4. Mas agora, uma vez transformadas em indústria altamente lucrativa, essas passariam a ser preservadas e o que fosse derrubado seria imediatamente substituído por novas mudas (EM, 23/09/1958). Tudo isso era real, mas o que permanecia oculto nesses discursos elogiosos era o fato de que o replantio fazia-se exclusivamente com espécies de eucalipto e que muitas florestas nativas –com a heterogeneidade vegetal e faunística características das matas tropicais– continuavam virando carvão e cedendo terreno a grandes e monótonas extensões homogêneas de plantações de eucaliptos.
Durante toda a década de 70, a obsessão em reflorestar o território de Minas Gerais continuou sendo orquestrada a partir da cidade de Belo Horizonte e as comemorações do Dia da Árvore e da Semana Florestal davam destaque aos empreendimentos em curso. Especialmente nesses dias, as siderúrgicas anunciavam suas ações e faziam publicar fotos e cartazes de grandes áreas verdes sob sua responsabilidade (EM, 21/09/1971: 15). Criouse uma Associação Mineira de Empresas Florestais e iniciou-se um grande mercado de ações desse tipo de empresas, pois o governo decretou isenção de impostos aos capitais investidos em reflorestamento. Páginas inteiras dos jornais dedicavam, no Dia da Árvore, imensas reportagens assinadas por agrônomos e técnicos em defesa do eucalipto, repletos de dados científicos, exemplos do seu plantio em países civilizados como o Japão e EUA, assim como a afirmação contundente dessa planta como uma opção perfeita para a preservação da natureza em Minas (EM, 21/09/1971, 2 seção: 5; EM, 19/09/1976: 15).
A cada ano, uma grande festa organizava a distribuição de medalhas no Prêmio de Mérito Florestal e os agraciados eram sempre presidentes de empresas siderúrgicas e de reflorestamento, além de autoridades de órgãos públicos (EM, 21/ 09/1972: 4). Novas empresas aguardavam o 21 de setembro para lançar- se no mercado, prometendo milhões de novas árvores nas paisagens rurais mineiras. Além do carvão necessário para a siderurgia, a urgência de produção de celulose ganhou destaque, com a idealização da implantação de novas indústrias por todo o Estado. Inúmeras áreas de Minas Gerais tiveram suas paisagens mudadas, com terras recobertas por mais e mais extensões de eucaliptos (EM, 22/09/ 1976: 10). Previsões otimistas para o desenvolvimento passaram a abranger, além do setor siderúrgico, o setor de papel, com previsões da produção de milhões de toneladas de celulose (EM, 23/ 09/1976: 13). É importante observar que tais anúncios integravam as comemorações do Dia da Árvore na cidade de Belo Horizonte, ganhavam destaque nos eventos e serviam de motivo de premiações e projeções otimistas de um desenvolvimento a ser cumprido.
O sucesso das idéias desenvolvimentistas trazia uma idéia de que as áreas pobres seriam “salvas” por ações e iniciativas que levariam o progresso a todos: o Vale do Jequitinhonha, uma das áreas mais miseráveis de Minas, foi alvo de empresas de reflorestamento, com discursos efusivos de criação de empregos e melhoria das condições locais. O subdesenvolvimento seria combatido e, no avanço de práticas agrícolas racionais, o campo alcançaria o desenvolvimento, as populações seriam arrancadas de suas práticas ignorantes e destrutivas da natureza , o Brasil seria servido, pois exportaria aço e papel, o subdesenvolvimento seria superado. A ideologia desenvolvimentista apoiava-se num otimismo, apresentado como um sonho: “todo o campo haverá de se transformar em cidade” (Williams, 1989: 380). A consideração desses pressupostos possibilita-nos a compreensão de certas práticas comuns nas comemorações do Dia da Árvore na “cidade jardim” , como os desfiles de tratores e máquinas agrícolas modernas compradas pelo Estado e doadas a empresas de reflorestamento, palestras sobre temas como carvão e siderurgia em Minas.
Simultaneamente às ações que visavam transformar e modernizar as áreas rurais, a cidade retomou o ideal da cidade jardim e as autoridades públicas iniciaram uma política expressiva de plantio nas ruas da cidade, de campanhas de conscientização da população e combate ao vandalismo contra as árvores, com o cuidado de praças e parques e inauguração de novas áreas verdes no perímetro urbano. A prefeitura lançou, em 1971, a Campanha Educativa de Proteção às Árvores. A cada ano, vários caminhões percorriam as ruas da cidade e distribuíam, gratuitamente, mudas das mais variadas espécies nativas a todos que desejassem plantá-las em seus quintais ou nas portas de suas casas, declarando que “a invasão verde vai começar”. A prefeitura iniciou o plano de aumentar a área verde de 4 para 16 metros quadrados por habitante, planejando a criação de “pulmões verdes” em pontos estratégicos da cidade. Organizava, ainda, exposição de flores, de mudas de plantas nativas próprias à arborização urbana e ornamento de jardins, etc. As ruas da cidade não receberam eucaliptos –como ocorria nas áreas rurais–, mas sim ipês, pau-brasil, tipuanas, quaresmeiras, sibipurunas, oitis e muitas outras. Na cidade sonhada haveria “gramados e flores por toda parte”, e o verde repousaria os olhos, limparia o ar e refrescaria os dias quentes de verão: “seremos mais alegre, felizes e saudáveis e nossa Belo Horizonte será a cidade mais bonita do Brasil” (EM, 19/09/1971: 21; EM, 21/09/1971: 4; EM, 23/09/1973: 5; EM, 20/09/ 1974: 7; EM, 25/09/1971: 7; EM, 21/09/1978: 9). É claro que esses discursos tinham certos limites e a Câmara Municipal explicitava que não se tratava de interferir na derrubada de árvores em prol da expansão imobiliária da cidade (EM, 19/09/1979: 5).
Entretanto, aqueles foram anos de outras histórias, como a da criação de importantes reservas biológicas dentro da cidade com grande participação da sociedade civil, do protesto de conservacionistas e cientistas contra depredações nos parques urbanos da região metropolitana, que ousavam denunciar: “tudo não passa de engano. A população de Belo Horizonte está sendo enganada” (EM, 23/09/1979: 15). Os anos 80 trariam o início da democratização da sociedade brasileira após décadas de muitas lutas, com a ascensão dos movimentos sociais de operários, negros, índios, mulheres e ecologistas. Outras visões da natureza e novos sentidos para as relações entre o homem e o ambiente natural passaram a ser construídos. O que antes parecia um sonho desenvolvimentista desmoronou frente às evidências da exploração e opressão geradas nessas práticas (Escobar, 1995: 4).
Ao longo de tantas décadas, as comemorações do Dia da Árvore em Belo Horizonte evidenciam como as árvores foram revestidas de significados diversos, urdidos em uma série de transformações históricas e na efetivação de determinados projetos de sociedade. Elas foram integradas às promessas de uma cidade higiênica e planejada racionalmente, encarnaram o símbolo de uma nação harmônica e baseada na cooperação de todos os brasileiros, foram apropriadas tanto pelas expectativas desenvolvimentistas quanto pelas tentativas de controlar os males da urbanização desordenada. Torna-se possível perceber como, para além dos estereótipos que cercam o campo e a cidade, essas categorias “são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações” (Williams, 1989: 387). A história das relações da cidade de Belo Horizonte com sua vegetação e com as paisagens rurais em seus arredores mostra-nos como, para além da persistência de algumas falas aparentemente iguais, há uma grande historicidade na forma como os homens plantaram e derrubaram suas árvores, colheram seus frutos ou refrescaram-se às suas sombras.
1 O Ipê amarelo –Tabebuia ochracea (Cham) Standl.– árvore símbolo da nacionalidade brasileira, é característica do cerrado, estendendo-se pelo Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Atinge 15 metros de altura e floresce em grandes cachos amarelo-ouro entre julho e setembro, quando os galhos ficam completamente despidos de folhas. O cedro brasileiro, Cedrela fissilis Vell., atinge até 35 metros, e ocorre do Rio Grande do Sul até Minas Gerais, principalmente nas florestas semidecídua e pluvial atlântica. (Branco, 2000: 15; Lorenzi, 2002: 68, 257).
2 Este comentarista, citado por Warren Dean, era Aristides Milton, participante do Congresso das Municipalidades Mineiras, realizado em Belo Horizonte, em 1923. (Dean, 2000: 257, 424).
3 Juscelino Kubitschek de Oliveira foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Lançou um ambicioso Programa de Metas - simbolizado pelo slogan “50 anos em 5”, que procurava modernizar amplamente o país, baseado no binômio “energia e transporte”. Forjou a expressão “nacional-desenvolvimentismo” para designar sua política econômica, combinando a ação do Estado com a empresa privada nacional e o capital estrangeiro.
4 Pesquisas recentes realmente mostram que a destruição das matas em todo o Brasil, especialmente no período colonial, deveu-se à impossibilidade de retornos econômicos em sua exploração, dadas as restrições colocadas pela Coroa Portuguesa, que monopolizava a exploração madeireira. Para os colonos, tal contexto “fez da aniquilação das madeiras uma escolha mais racional do que sua conservação ou mesmo que sua extração” (Miller, 2000: 224).
Revista Nómadas
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