nomadas57

Spanish English Portuguese
  Versión PDF

 

Produtividade científica – Algumas questões de fundo

Productividad científica - Algunas cuestiones fundamentales

Scientific productivity - Some fundamental issues

Maria Ciavatta*


* Doctora en ciencias humanas (educación). Profesora titular asociada al Programa de Posgrado en educación de la Univerdidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil; miembro de GT “Pensamiento histórico-crítico de Latinoamérica y el Caribe” – Clacso. E-mail: Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla.


Resumen

Este breve texto se basa en el hecho de que toda producción del conocimiento es histórica. En el primer momento tratamos del modelo de evaluación de medición de la productividad científica; después nos ocupamos de los sesgos positivistas en las miradas e interpretaciones que fundamentan el conocimiento producido; y, por último, reflexionamos sobre la producción científica en países de la periferia del capitalismo central.

Palabras clave: productividad científica, historia, evaluación, positivismo, universidad, indicadores cuantitativos.

Resumo

Este breve texto tem por base que toda produção do conhecimento é histórica. Inicialmente, tratamos do modelo de avaliação de medição da produtividade científica; a seguir, dos vieses positivistas nos olhares e interpretações que embasam o conhecimento que se produz; e, por último, refletimos sobre a produção científica em países da periferia do capitalismo central.

Palavras-chave: produtividade científica, história, avaliação, positivismo, universidade, indicadores quantitativos.

Abstract

This brief text has for base that all production of knowledge is historical. Initially, we deal with the model of measurement evaluation of the scientific productivity; in continuation, we talk about the positivist bias in the sights and interpretations that base the knowledge that are produced; and, finally, we reflect on the scientific production in the peripheral countries of the central capitalism.

Key words: scientific productivity, history, university, evaluation, positivism, quantitative indicators.


1. Introdução

As palavras de Paulo Freire ecoam como uma advertência permanente diante das dificuldades do avanço do conhecimento em países latino-americanos como o Brasil: […] “O Brasil nasceu e cresceu sem experiência do diálogo. De cabeça baixa. Com receio da Coroa. Sem imprensa. Sem relações. Sem escolas. Doente. Sem fala autêntica” (Freire, 1996). Quando tratamos da produção do conhecimento não podemos deixar de nos remeter à história da produção da vida em nossos países, de sua posição na periferia do núcleo orgânico do capital (Arrighi, 1997), das conjunturas políticas de países assolados pelo autoritarismo e pela intervenção externa nas diversas formas em que vem ocorrendo. Neste breve texto, tratamos de algumas questões de fundo da produtividade acadêmica. Temos por base que toda produção do conhecimento é histórica. Inicialmente, tratamos do modelo de avaliação de medição da produtividade científica; a seguir, dos vieses positivistas nos olhares e interpretações que embasam o conhecimento produzido; e, por último, abordamos a produção científica em países, como o nosso, da periferia do capitalismo central.

2. Avaliação e medição da produtividade científica

A avaliação é um processo inerente à aprendizagem e à produção do conhecimento. Estamos sempre julgando a disponibilidade dos conhecimentos adquiridos em nível pessoal, na vida cotidiana e, principalmente, nos processos escolarizados. E lhes atribuímos valores. Na vida escolar, a avaliação do conhecimento e a qualidade de sua produção conferem reconhecimento, títulos e acesso a posições sociais. Historicamente, a avaliação foi mais ou foi menos rígida dependendo das necessidades postas pela sociedade, dos fins do conhecimento e das concepções teóricas predominantes legitimadas pela comunidade científica e pela sociedade.

A avaliação da produção científica adquiriu maior complexidade nas últimas décadas, principalmente nas ciências sociais. Além da aplicação do modelo da pesquisa experimental, de padrões quantitativos, implantaram- se a avaliação institucional das universidades e a avaliação da produtividade científica dos docentes pesquisadores. Teoricamente, essas iniciativas devem conduzir a um progresso acadêmico, científico e tecnológico. Mas como conjunto de medidas unilaterais, independente das condições de sua produção, a avaliação é parte do desgaste que atinge a produção científica em países como o Brasil.

A primeira dessas questões são os modelos das ciências experimentais aplicados às ciências sociais e humanas. A origem do fenômeno tem duas fontes. A primeira é a própria antecedência no tempo, das ciências da natureza. Até o século XIX, no Brasil, a pesquisa científica vai se resumir às missões européias de observação, coleta e classificação de nossas riquezas naturais, em busca do exótico. Os centros de pesquisa vão se iniciar no final do século em São Paulo e na primeira década do século XX no Rio de Janeiro, com o Instituto Bacteriológico de São Paulo (1893), o Instituto Butantã (1899) e o Instituto Oswaldo Cruz (1901) para o estudo de doenças tropicais e soros antiofídicos (Morel, 1979: 27-35). Outras áreas como a matemática, a física, a química se desenvolveram ao longo do século XX, em institutos e centros específicos, vinculados ou não a universidades.

A segunda fonte, ainda sob a égide do positivismo científico e das influências internacionais, é a aplicação dos modelos de base empírica às áreas sociais, com seus métodos estatísticos e seu funcionalismo na interpretação dos dados, particularmente, nos estudos comparados, a exemplo dos grandes surveys da sociologia e da economia da educação na América Latina. Esse processo se estende no tempo, e a pesquisa de base quantitativa é o modelo inicial da criação dos sistemas de pós-graduação nas diversas áreas do conhecimento no Brasil, no início dos anos 1970. Conta para tanto, com a linguagem formalizada do autoritarismo, do planejamento econômico, dos acordos internacionais e as cotas de importação de equipamentos. Obscurecem- se as relações de poder e de cultura implícitas na realidade (Ciavatta, 2000).

A permanência desse padrão expressa-se hoje no modelo produtivista de avaliação da produção científica implantado como um dos instrumentos de reforma das universidades, em curso na América Latina, a exemplo do uso de indicadores quantitativos de avaliação da produção científica, como o caso do número de vezes que um pesquisador vem citado por seus pares. Ocorre aí uma redução positivista-funcionalista dos fenômenos à dimensão quantitativa o que “tem como finalidade produzir ilusões sobre a realidade complexa que acaba sendo simplificada e suscetível de adequar-se aos modelos estabelecidos teoricamente” (Puiggrós, s.d.: 5-6).

Os fatos são isolados de seu contexto, a exemplo da língua com a qual os trabalhos são escritos e de sua capacidade de difusão diversificada pelo poder econômico e político (o inglês, o alemão, o português), e as próprias condições institucionais destes trabalhos (recursos, poder político, etc.). São tomados como parâmetros os sistemas de produção dos países desenvolvidos e os índices são aplicados sem considerar as condições específicas da pesquisa em cada um dos países comparados. Este procedimento, ditado pela hegemonia cultural dos países ricos, produz análises parciais e inadequadas que simplificam os problemas e, de um modo geral, produzem a chamada “minoria de excelência” que escreve em língua inglesa. Estabelece-se, desta forma, um estatuto teórico fundado sobre a idéia de homogeneidade na qual comparar quer dizer estabelecer semelhanças e diferenças com estes modelos. Desta forma não são tidas em conta as diferenças entre os sistemas dos diversos países, e são eliminadas as formas culturais diferentes ou antagônicas em relação à dominante.

A avaliação é parte da ciência e da cultura. Mas, em nossos países, um fato recente veio dar nova dimensão à avaliação da produção científica. No Brasil, a partir da década de 1980, acompanhando a financeirização acelerada da economia capitalista, as políticas neoliberais e os programas de ajuste econômico nos países devedores, para garantir o pagamento dos empréstimos internacionais dos organismos multilaterais, os acordos passaram a ter um componente de avaliação visando verificar a efetividade das ações geradas nos projetos. Busca-se medir os benefícios individuais e sociais das iniciativas por critérios gerenciais e de eficiência, por meio da cooperação técnica e financeira. A avaliação da produtividade passou a ser a principal estratégia para garantir a participação das populações dos países pobres nos benefícios supostamente introduzidos pelos recursos externos a programas e projetos locais (Fonseca, 1997).

No bojo dessas políticas, outras medidas vieram agravar as condições de desempenho dos pesquisadores e das universidades públicas: (a) pressão dos organismos internacionais para que o Estado deixe o ensino superior a cargo da iniciativa privada; (b) define-se que as instituições de ensino superior sejam geridas como empresas privadas, tendo seus custos cobertos pela venda de serviços e consultorias, cobranças de mensalidades, contratos com empresas, doações da iniciativa privada; (c) sistema de notas classificatórias articuladas à concessão de bolsas de estudos e outros estímulos, para estimular a competição entre pesquisadores e instituições, principalmente através da quantidade de publicações; (d) diferenciação e classificação das instituições (universidades de pesquisa, universidades de ensino, centros universitários e outras) e dos docentes (do quadro permanente e “substitutos”, salários individualizados por volume de aulas e de produção científica).

O êxito na aplicação desse modelo de “produtivismo subordinado” decorreu da maior ou menor capacidade de resistência nas instituições, dependendo da estrutura e das diversas conjunturas nos países, da mobilização da sociedade civil contra as políticas dos acordos multilaterais (privatizações dos bens do Estado, reformas do Estado, da universidade, da previdência, do trabalho) e das organizações científico-acadêmicas e universitárias (Sguissardi, 2001: 8).

3. Vieses positivistas nos olhares e nas interpretações

A soberania dos países não advém apenas da posse de armas para defender seu território, mas também da autonomia para produzir conhecimento e responder às demandas de vida de seu povo. Assim, entende- se porque a educação se coloca como uma questão estratégica, no nível básico para a educação fundamental e média de crianças e adolescentes, e no nível superior para o aperfeiçoamento profissional, científico e tecnológico de jovens e adultos. Estes não são elementos autônomos, isolados, mas profundamente imbricados uns em outros, enraizados no tecido social e disseminados pela palavra, pelos discursos que construímos no entendimento e nas ações que viabilizam a vida (Ciavatta, 2003).

Pensar a ciência e o desenvolvimento científicotecnológico no contexto da realidade social e econômica em que vivemos, significa pensar o conhecimento na história da produção social da existência humana. Não a história à moda do historicismo clássico de Vico e de Hegel, mas as diversas temporalidades que não afetam do mesmo modo e nem todos os sujeitos ao mesmo tempo. Implica localizar, datar, buscar limites, relações explícitas e implícitas, entender os acontecimentos com suas transformações. Significa estar atento não apenas às relações de causa e efeito, variáveis, fatores, tão ao gosto das ciências matemáticas e da natureza, mas às mediações e contradições articuladas em totalidades sociais, como partes de um contexto que dá sentido e significado ao conhecimento, e evidencia as formas de seu uso e apropriação.

Esta última é uma linguagem e uma visão de ciência fora de moda diante da negação das categorias ontológicas, do relativismo e do ceticismo instrumental. Nem “o certificado de cientificidade, de corte positivista” que legitimava as ciências por sua suposta objetividade, isenção, neutralidade, ausência de preconceitos e suposições, não tem o mesmo valor simbólico. É certo que permanece a busca dos procedimentos mais adequados e confiáveis para passar dos “fatos” aos “dados”, às teorias a aos modelos. Mas circula com desenvoltura nos meios acadêmicos a desilusão com o saber científico e sua contribuição ao progresso da humanidade. […] “programas de pesquisa científica, jogos de linguagem, phrase régimes, formas de vida, esquemas conceituais, entre outros, caracterizam uma variedade de doutrinas, não obstante suas diferenças, convergem em um ponto fundamental: a defesa do relativismo ontológico” (Dwayer, 2003: 1-2).

Como parte do universo pós-moderno, crenças científicas ou não, tudo são construções. A verdade é “completamente interna às nossas descrições do mundo”, é parte das idéias que perpassam a filosofia neopragmática de Rorty (1997), que retoma a tradição do positivismo lógico e suas críticas. “A adequação empírica de nossos esquemas e concepções ontológicas, para dizê-lo de outro modo, nada tem a ver com sua verdade, mas simplesmente com sua utilidade […] Visto que nega a possibilidade do conhecimento objetivo, [esta crítica] está constrangida a adotar o mesmo critério do positivismo para justificar o conhecimento científico – a adequação empírica” (Dwayer, idem).

No âmbito da produção do conhecimento nas universidades e instituições de pesquisa, estamos diante de duas questões, aparentemente, em oposição: as novas filosofias relativistas às quais nos referimos brevemente, acima, e o produtivismo acadêmico-científico, a ciência como “métrica do conhecimento”. O rigor científico e metodológico e a pesquisa como força produtiva que alimenta o extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico que nos envolve, são pautas indispensáveis à sustentação dos novos conhecimentos e à sua utilização na produção mercantilizada em escala global, com dividendos de poder e financeiros quase ilimitados. Esse processo conduz os países ricos a uma incessante competição pelas idéias, pelos novos materiais, pela biodiversidade, pela disputa de cérebros e pela corrida armamentista. Paralelamente, o mesmo ideário é repassado aos países da periferia do núcleo orgânico do capital e introduz modelos estranhos à nossa realidade, reorganizando autoritariamente os modelos educativos, impondo escalas comparativas incompatíveis com as necessidades locais e com suas condições de produção do conhecimento.

4. Ciência na periferia do capitalismo central

Minha primeira visita à Biblioteca da Universidade de Coimbra foi acompanhada de um duplo sentimento de surpresa: o encantamento do ambiente refinado pelo valor dos livros e por sua antiguidade e o estranhamento amargo diante de toda a riqueza do Brasil ou da América Latina que reveste as belas colunas decoradas com ouro. Essa visão controvertida é simbólica da pilhagem material, cultural e científica que atravessa os séculos, do colonialismo à expansão atual do capitalismo. Somente para a Espanha, os estudiosos registram que “da descoberta da América até 1800, a produção de ouro ultrapassou as 4 mil toneladas das quais 2,6 exclusivamente do Novo Mundo: mais do que seria obtido durante todo o milênio procedente do planeta inteiro” (Sédillot, 2004: 36).

No Brasil, a ausência de uma política de educação de toda a população, a proibição das manufaturas até o início do século XIX e o impedimento à criação de universidades até o início do século XX, postergou o avanço das atividades produtivas e o desenvolvimento científico e tecnológico que sucessivos governos da República não lograram reverter. Seria enfadonho desfilar aqui as desigualdades sociais e econômicas que segmentam a sociedade brasileira e as múltiplas mediações que prolongam os braços longos da opressão. Vamos destacar apenas alguns aspectos da questão da universidade e da produção do conhecimento.

A universidade brasileira é fruto tardio do colonialismo. Enquanto as mais antigas universidades européias são do século XII e, na América Latina, na República Dominicana, no México, no Peru, são do Século XVI, no Brasil, criou-se, na lei, a Universidade do Rio de Janeiro,em 1920, pela agregação de três escolas existentes no Rio desde o século anterior, Direito, Medicina e Escola Politécnica. Apenas em 1931, com o Estatuto das Universidades Brasileiras, o governo implantou a Universidade criada, incorporandolhe outras escolas superiores. Esta veio a se tornar a Universidade do Brasil em 1937 e é a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ciavatta, 2003).

Também a pós-graduação, como um sistema nacional é tardia em nosso país. Fruto contraditório da ditadura que projetava um “Brasil grande”, pelo pensamento crítico que gerou, o sistema de pós-graduação, nas diversas áreas do conhecimento, foi criado em 1971 e tem pouco mais de trinta anos. No México, foi criado em 1974 e, na maioria dos demais países latino-americanos, a pós-graduação é mais limitada.

Não obstante isso, mestres e doutores foram formados no exterior nas décadas passadas e, hoje, formando jovens mestres e doutores no país, o sistema tem uma razoável produção e espaços interligados com outros centros mundiais. Alguns dados ajudam a entender as contradições postas pelo que chamamos de “produtivismo subordinado”, restrito nos seus efeitos na pós-graduação, não por uma questão de inteligência, mas de condições diferentes dos países centrais, para a produção científica.

Senão vejamos: (i) apesar das condições adversas, cerca de 95% da pesquisa científico-tecnológica é feita nas instituições de ensino superior públicas (Proposta, 2003: 35-36); (ii) em 1999, havia 8544 grupos de pesquisa segundo o Diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico – CNPq, com uma média de sete anos de constituição (69% deles formados após 1990), com 33.675 pesquisadores registrados, dos quais 55% com o título de Doutor e 28% de Mestre; (iii) mas dados sobre a produção científica e tecnológica em nível mundial, apontam que 2% dela, tem origem na América Latina, contra 18% na Ásia, 4% na Europa e 40% nos Estados Unidos (Panizzi, 1998, p.5); (iv) segundo o escritório de patentes United States Patent on Trademark Office – USPTO, de 1976 a 2005, foram concedidas 1.226.000 patentes a empresas dos EUA; 556.000 do Japão; 183.000 da Alemanha; contra apenas 975 patentes do Brasil, 600 do México (Wollman, 2005: 7)1.

No entanto, há avanços em outras frentes: a Rede SciELO, por iniciativa da Fundação da Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde e instituições nacionais e internacionais, atinge 200 títulos e consolida um modelo de acesso livre a artigos on-line; 131 revistas brasileiras registram a média mensal de um milhão de acessos, e os 48 títulos chilenos, 500 mil consultas por mês. O número de artigos científicos publicados por pesquisadores dos países latino-americanos registra um crescimento de 191%, tendo passado de 5,6 mil em 1988 para 16,3 mil em 2001, acréscimo maior do que na Ásia, 133%, e a queda de 19% no Leste Europeu, Rússia e ex-URSS (Izique, 2004: 29).

A partir de meados dos anos 1990, o governo trabalha em mão dupla, qualificando mestres e doutores e retirando-lhe o estímulo e as oportunidades de usar seu conhecimento a serviço do próprio país. Destacamos alguns aspectos desse processo perverso. Como o desenvolvimento histórico tardio e recente na vida universitária brasileira, três quartos (74,7%) dos doutores de mais alto nível, segundo a classificação do CNPq, estão entre os 50 e os 69 anos (Zancan, 2003). O que evidencia que fizeram sua pós-graduação tardiamente para os padrões atuais em que os melhores alunos completam a graduação, o mestrado e o doutorado em torno dos 30 anos de idade - esses jovens, já terão alcançado sua maturidade na capacidade de produção de conhecimento com pouco mais de 40 anos. Mas hoje, os pesquisadores desse nível representam menos de 20%. Os pesquisadores de nível sênior estão se aposentando induzidos, no início da década de 1990, pela política do Presidente Collor de Mello, depois, a partir de 1995, pelo Governo FHC e, agora, pela continuidade da política do Governo Lula. Sem estímulo à permanência no magistério superior e sem a reposição de vagas com a abertura de concursos plenos, cria-se um vácuo entre os que saíram e os novos que ainda não alcançaram a maturidade exigida para o desempenho da vida intelectual a que são chamados.

Gráficos resultantes de análises realizadas com o conjunto dos dados da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Públicas Federais – Andifes (2002), pelo Fórum de Reitores de Planejamento e Administração, evidenciam as seguintes tendências em nível nacional, no período 1995 a 2000: (a) reduziuse o número de docentes ativos (–13,5%), reduziu-se o número de mestres (–23,3%), compensado pelo aumento do número de doutores (31,2%); aumentou o número de bolsas concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior – Capes (57,8%), o que sinaliza um investimento público na qualificação de pessoal universitário; (b) aumentou o número de vagas oferecidas nos exames de acesso ao ensino superior (26,2%), quase dobrou o número daquelas oferecidas no ensino noturno (96,8%), aumentou o número de alunos matriculados na graduação (26,3%) e mais que dobrou na pós-graduação (154,6%); (c) duplicou-se o número de dissertações de mestrado defendidas (139,3%), quase triplicou o número de teses de doutorado (250,4%), o que indica um aumento de produtividade científica de alunos e de professores e crescimento nos serviços oferecidos à sociedade pelas instituições de ensino superior; (d) aumentou o número de docentes aposentados (22,5%), aumentou o número de concursos públicos para docentes efetivos até 1998 e depois reduziu-se drasticamente (–83,9%), tendo sido ainda maior a redução, durante todo período para pessoal técnico-administrativo efetivo (99,6%), o que é coerente com a sobrecarga de trabalho docente e a carência de infraestrutura de apoio para as atividades técnico-administrativas; (e) reduziram-se os recursos para manutenção, capital e para pagamento de pessoal, o que evidencia a perda de poder aquisitivo dos servidores e outras carências em materiais e de serviços no funcionamento das instituições, terceirização de serviços, contratos temporários de jovens docentes.

Alguns dados mais gerais completam este quadro de fundo da produção do conhecimento social e científico- tecnológico da vida no Brasil. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), analisou os gastos da União com educação nos últimos governos, (1995-2004), portanto, incluindo o Governo Lula. Registra que os investimentos do Ministério da Educação no período diminuíram 57,8%. Os setores mais penalizados foram os centros federais de educação tecnológica, escolas agrotécnicas e universidades federais, que tiveram redução de verbas para investimentos, manutenção e custeio. No caso das universidades, em valores atualizados, chegou-se a 57% dos valores de 1995. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) a queda do orçamento do Ministério da Educação foi de 1,4 % em 1995 para 1,08 % em 2003 (Constantino, 2004: C 1). Esses dados se traduzem nas universidades públicas federais em contas de água, luz e telefone sem pagamento atualizado, laboratórios defasados tecnologicamente, salas com infiltração, falta de materiais, falta de livros nas bibliotecas e falta de funcionários para catalogar os existentes.

5. Considerações finais

Este breve texto teve por base que toda a produção do conhecimento é histórica e, somente assim, deve ser compreendida e avaliada na sua relação com a sociedade. A avaliação da produção científica das ciências da natureza pressiona as ciências sociais pela imposição de padrões quantitativos, de “cienciometria”. Impõese o modelo produtivista onde a medição de benefícios individuais e sociais se faz por critérios gerenciais e de eficiência para o mercado. Não bastasse isso, a ciência é questionada na sua legitimidade, face ao relativismo e ao ceticismo das filosofias neopragmáticas que retomam a tradição do neopositivismo lógico.

No âmbito do ensino superior, no Brasil, mas não apenas, reformas, apoiadas em forte vontade política, detalhados instrumentos jurídicos produzidos pelo Executivo e recursos externos, conduziram a um processo de regressão na democratização do conhecimento. Não obstante iniciativas promissoras baseadas nas novas tecnologias de base eletrônica, opera-se o desmonte progressivo da capacidade das instituições e de seus profissionais, de oferecer ensino e desenvolver a pesquisa e a extensão dentro dos padrões de qualidade que a sociedade tem o direito de exigir. Sob o signo do mercado e da privatização, compromete-se a formação crítica das novas gerações que devem constituir os quadros mais preparados do país, e reduz-se a possibilidade de um mínimo de soberania propiciada pela produção do conhecimento.


Cita

1 No Brasil, a Petrobrás aparece como a principal produtora, 144 patentes; as instituições de pesquisa e ensino presentes são: Fiocruz, Embrapa, Copel, CBPF, USP e UFRJ (Wolmann, op. cit.). Email: Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla.


Bibliografia

  1. ANDIFES, Indicadores de Desempenho das IFES, 1995-2000, Brasília, Andifes - Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, 2002.
  2. ARRIGHI, Giovanni, A ilusão do desenvolvimento, 2a ed., Petrópolis, Vozes, 1997.
  3. CARVALHO, Carlos Eduardo, “Fazenda quer aprofundar política econômica de FHC”, escrito para a Revista Reportagem, 30/04/ 2003. www.oficinainforma.com.br
  4. CIAVATTA, Maria, “Cuando nosotros somos el outro. Cuestiones teórico-metodológicas sobre los estudios comparados”, en: Jaime Calderón López-Velaverde, Teoria y desarrollo de la investigación en educación comparada, México, Plaza y Valdés / UPN, 2000.
  5. _______, “Universidade, pecado nativo”, em: Carta Aberta. Trabalho Necessário, Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação – Neddate, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, No. 1. www.uff.br/trabalhonecessario/, 2003.
  6. CONSTANTINO, Luciana, “Investimento em educação cai 58% desde 95”, em: Folha de São Paulo, São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto, 2004.
  7. FIORI, José Luís, O nome dos bois, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, Mimeo, 2002.
  8. FONSECA, Marília, “O Banco Mundial e a gestão da educação brasileira”, en: Dalila A. Oliveira, Gestão democrática da educação, Petrópolis, Vozes, 1997, pp. 43-63.
  9. FREIRE, Paulo, Educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro, Vozes, 1996.
  10. IZIQUE, Cláudia, “Vitrine da ciência ibero-americana”, em: Pesquisa, Ciência e Tecnologia no Brasil, Fapesp, São Paulo, No. 105, nov. 2004.
  11. MOREL, Regina L. de M., Ciência e Estado: a política científica no Brasil, São Paulo, T. A. Queiroz, 1979.
  12. PANIZZI, Wrana Maria, “Cência e tecnologia: um sistema a ser preservado”, em: InformAndes, Andes-SN, ano IX, No. 87, nov. 1998.
  13. PROPOSTA do Andes-SN para a universidade brasileira, Cadernos Andes, No. 2, 3a. ed., Brasilia, out, 2003.
  14. PUIGGRÓS, Adriana, “Elementos para el análise socio-histórico de la educación popular en América Latina”, Documento 1: Introducción. Proyecto Appeal, s.l., s.d., p.5-6, Mimeo.
  15. RORTY, Richard, Objetivismo, relativismo e verdade, escritos filosóficos, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1997.
  16. SÉDILLOT, René, “Ambição e genocídio”, em: História viva, São Paulo, Dueto Editorial, vol. 2, No. 13, pp. 32-39, novembro, 2004.
  17. SGUISSARDI, Valdemar, “Do jeito que o Banco Mundial gosta”, em: Caros Amigos, Edição Especial, No. 9, pp. 8-9, novembro, 2001.
  18. WOLLMANN, Júnior, Dirceu. O Brasil só tem 975 patentes, O Globo, Opinião, Rio de Janeiro, segunda-feira, 24 de janeiro, 2005. ZANCAN, Glaci, Jornal da Ciência, Rio de Janeiro, SBPC, 04 de abril, 2003.

Contáctenos

Revista Nómadas

Dirección de Investigación y Transferencia de Conocimiento

Carrera 5 No. 21-38

Bogotá, Colombia

Correo electrónico: nomadas@ucentral.edu.co