Revista Nómadas
Dirección de Investigación y Transferencia de Conocimiento
Carrera 5 No. 21-38
Bogotá, Colombia
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Angela Schaun*
* Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora da Universidade Veiga de Almeida - Rio de Janeiro, pesquisadora Ad Hoc do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla.
El trabajo busca una sistematización de las reflexiones sobre el tema Conflicto, Cultura y Educación, proponiendo un marco referencial de la produción biopolítica, de los flujos de luchas y de acciones comunicativas, sobrepasando así las relaciones sociales más diversas, en el ámbito de las sociedades complejas. El concepto de articulación comunicativa en el contexto de las prácticas sociales se propone romper las dicotomías que normalmente se esbozan cuando se habla de “conflicto”. Las articulaciones comunicativas propuestas pueden ser: sancionada, mediatizada, negociada. Producen nuevos agenciamientos colectivos, enunciativos e inclusivos, se multiplican y repercuten, dejando marcas, expresiones, dinamizando varios ámbitos de la micropolítica social, atravesando posibilidades, márgenes, redes, produciendo comunicación.
This essay searches to systematize certain reflections on Conflict, Culture, and Education, proposing a general framework of work on biopolitics, the bonds of resistance and communicative action, passing through the most diverse social relations, within the context of complex societies. It proposes the concept of ‘communicative articulation’ that translates within social practices by transgressing the dichotomies depicted in the sense given to ‘conflict’. The communicative articulations proposed can be typified as: sanctioned, mediated, or negotiated. They produce new forms of collective agencies, performative and inclusive, that multiply and effect, leaving their mark, as an expression, and moving in the various contexts of social micropolitics, working through the possibilities, margins, networks, and producing communication.
“(…) as forças contestatórias do Império, que efetivamente prefiguram uma sociedade global alternativa, não estão elas mesmas limitadas a nenhuma região geográfica. A geografia desses poderes alternativos, a nova cartografia, está ainda aguardando para ser escrita, está sendo escrita hoje com as lutas, resistências e desejos da multidão”.
Michael Hardt e Antonio Negri, in Império, Companhia das Letras, São Paulo, 2001.
A inspiração para criar o texto veio do desafio do momento, da percepção de que não temos controle sobre as coisas, vivemos na complexidade. Então partimos para uma busca desenfreada, sem medo de enfrentar o risco de propor conceitos, o que dizem os acontecimentos. Para acompanhar-nos nessa jornada convidamos alguns autores, sem os quais seria impossível o desafio.
“os princípios em filosofia são gritos em torno dos quais os conceitos desenvolvem verdadeiros cantos”. Deleuze e Guattari (1995)
Um conceito: pura criação emergindo do/caos/ Um cenário: tentativa de produzir uma imagem/ Uma imagem: um convite ao olhar/ Um olhar: gozo estético, ético, político/ Um texto: uma viagem, precipitação, abismo, labirinto.
Junto à complexidade propomos o conceito de caos, encontrado em Deleuze quando diz sobre o que é a filosofia. Para ele o caos é caracterizado menos por “uma ausência de determinações que a velocidade infinita com a qual elas se esboçam e se apagam” .Tudo ocorre em torno do movimento contínuo que impossibilita relacionar as determinações e não das determinações mesmas. Não é um movimento de uma determinação a outra, mas a impossibilidade de uma relação entre as duas determinações sem o desaparecimento de uma delas. O caos é sempre movimento e fluxo desfazendo as consistências, infinitamente.
Refletir o contemporâneo, o hoje na sua complexidade, requer abrigar discussões que levem em conta o caos e a complexidade, mas também a diversidade de produção e reprodução social, e os contornos macro e micro referenciais onde a produção econômica e de subjetivação se irradiam globalmente nos rastros das tecnologias da comunicação e da informação.
O cenário de imanência e reflexão escolhido para a temática do Conflito, Cultura e Educação, abriga o contexto biopolítico do novo paradigma proposto por Negri e Hardt (2001) e é a inspiração deste trabalho para pensar a questão do conflito. O conceito de biopolítica, para esses autores, seria a apresentação do poder como uma alternativa não apenas entre obediência e desobediência, entre participação política formal e marginalidades, mas também o âmbito da vida, morte, riqueza, pobreza, produção e reprodução social.
A biopolítica inspira-se em Foucault (1992), nas sociedades disciplinárias e compartimentalizadas da industrialização e do fordismo e vai encontrar consistência e complexidade em Deleuze e Guattari (1995), na sociedade de controle onde o paradoxo do poder, ao tempo que unifica e envolve dentro de si cada um dos indivíduos e elementos da vida social - perdendo assim a capacidade efetiva de mediar as diferentes forças sociais - revela um novo contexto, um novo meio de máxima pluralidade e incontida singularização, um ambiente do acontecimento.
O conceito de conflito entendido como a expressão da racionalidade binária, das contradições, do princípio dual, sempre traduzirá um sistema de escolha entre certo e errado, bem e mal. Enquanto a expressão biopolítica contemporânea se produz nos fluxos, nos movimentos em relação de correntes e contra-correntes, de redemoinhos com outros fluxos: fluxos de fala, de ação, de dinheiro, de erotismo, de política, de disputas, de lutas. Já não se trata mais de oposição, não é contradição, não é a lógica binária. São multiplicidades de forças em movimento contínuo de fluxos, conexões e heterogeneidades. São novos e complexos regimes de diferenciação e homogeneização intermitentes.
A figura de um ciclo internacional de lutas baseadas na comunicação e tradução dos desejos comuns e universalizantes das rebeliões de classes sociais e do proletariado, parece ter se esgotado. Porém, esse fato nos coloca uma outra ordem de problema: hoje poderosos acontecimentos na cena mundial revelam a imagem da multidão rechaçando e lutando em todos os lugares contra a exploração e a exclusão produzidas pela globalização tecnoeconômica. A multidão nas ruas e em toda a parte é um signo de uma nova solidariedade e militância planetária.
Por outro lado, o paradoxo da incomunicabilidade torna extremamente difícil compreender e expresar o novo poder advindo de militâncias e práticas sociais emergentes, buscando a inclusão e a cidadania, o reconhecimento afirmativo de suas singularidades. As lutas perderam em extensão, duração e comunicabilidade, mas ganharam em intensidade. As lutas são fluxos contínuos apontando para as suas circunstâncias locais e imediatas, a maioria delas trata de questões supranacionais. São embates, discursos e negociações que dizem da ecologia, das etnias, dos grupos minoritários, das religiões, dos gêneros, dos imigrantes, dos banidos, dos excluídos, dos loucos, dos indivíduos e das comunidades excluídas.
Mas também são lutas afirmativas de expressões culturais e modos de ser e de subjetivações complexas, inusitadas, ricas e indiferenciadas, heterogêneas, produzidas com e para a comunicação em vias da legitimação das suas singularidades.
O princípio da comunicação discursiva é o da legitimação, enquanto prática narrativa de poder. Assinala Lyotard, (1996): “ O consenso tornou-se um valor ultrapassado e suspeito. A justiça, porém, não o é. É preciso então chegar a uma idéia e a uma prática da justiça que não seja relacionada ao consenso.(….)”.
O reconhecimento da heterogeneidade e da multiplicidade dos jogos de linguagem estão no bojo dessa discussão. A heterogeneidade implica evidentemente a renúncia ao terror, supõe e tenta realizar sua isomorfia? A multiplicidade implica a renúncia às dicotomias. Ambas são fluxos de lutas e supostos para qualquer discussão, disputa; podendo haver consenso sobre as normas e regras, porém o consenso deve ser local, isto é, obtido por participantes atuais e sujeitos a uma eventual anulação. Os fluxos de lutas orientam-se então para as multiplicidades argumentativas e limitadas num espaço, ganham visibilidade e consistência política quando editadas pela mídia.
Como assinala Lyotard, (op.cit.): “O moto contínuo relacionado à questão corresponde à evolução das interações sociais, em constante mutação, a partir do contrato temporário, onde são atores as relações profissionais, afetivas, sexuais, culturais, familiares e internacionais, a exemplo dos negócios políticos, suplantando as instituições permanentes, base das sociedades modernas, fundadas no princípio do contrato social”. Falta conector A informatização ao afetar as sociabilidades constitui dispositivos e instrumentos de regulação e controle do mercado, regido pelo princípio do desempenho, influenciando a produção do próprio saber de forma radical. Este novo formato social nutre uma espécie de terror invisível e disseminado, implícito, tácito. Assim, diz, “vive-se a democracia global através da imagem, a politização total dos argumentos, e a total despolitização do social, pois o social está em tudo(…)”, e em toda a parte.
Os fluxos de lutas, suas heterogeneidades e multiplicidades podem funcionar como os jogos de linguagem e de imagens: a um tempo são jogos de informação completa, a outro, serão jogos de soma não nula. As discussões, negociações e disputas sociais são imanentes à ação comunicativa e não correrão nunca o risco de se fixar sobre posições de equilíbrio mínimo, por esgotamento das disputas. Então, as disputas serão constituídas por conhecimentos e reserva de conhecimentos e por reserva inesgotável de comunicação em enunciados possíveis. O próprio Lyotard prenuncia: “Uma política se delineia na qual serão igualmente respeitado o desejo de justiça relacionado ao desconhecido”.
As sociedades pós-modernas apoiam-se na apropriação dos resultados do desenvolvimento do processo de informação/comunicação para atingir uma expansão/dinamização do conhecimento, através da democratização do acesso aos meios de comunicação e sua profunda importância no sistema educacional, possibilitando a visibilidade e a legitimação de novos atores sociais. Os múltiplos processos conhecidos sob o signo de globalização são, na verdade, um fecho de complexidades interconectadas e descentradas, plurivocais e desunificadas: vêm substituir definitivamente a esfera dos intercâmbios e das trocas e força-nos a descer às entranhas da morada da produção.
Na sociedade em rede, a comunicação eletrônica, tecnológica e informacional é um composto de produção e reprodução da vida traduzidas na produção material e imaterial trabalho. Assim, adquire valor estratégico, bem como valor político superior àquele observado quando se constituía em conhecimento colocado à disposição de alguns. Nesse contexto, a comunicação assume características cada vez mais políticas, podendo-se dividir o mundo em países ricos em informação –info-ricos, e países pobres em informação– info-pobres.
A produção de multiplicidades comunicativas, mesmo atendendo aos apelos da indústria da cultura inspirada no mercado, vai resolver-se na questão educativa, como mediadora do político-social, inaugurando um novo estrato, uma consistência reterritorializada, lugares onde educação não é necessariamente escolar, mas expressões comunicativas, induzindo ao auto-reconhecimento de singularidades, aos valores de cidadania. Pode-se propor um neologismo e dizer: para cumprir seu papel de historicidade e não perder o valor de campo, a educação deveria por assim dizer tornar-se plural, ou melhor, permeando e se apropriando dos movimentos difusos e interconexos das redes e fluxos informacionais, tornar-se Educomunicação. Conforme Soares, (1999) e Schaun (2000), como um fazer de intervenção social difuso e capilar, expresso por profissionais especializados, nomeados de educomunicadores a partir da década de 80, pelo filósofo da Educação, Mário Kaplun. De esta maneira, a ação educomunicativa produz práticas comunicativas e pedagógicas, éticas, estéticas e políticas em lugares e não-lugares, ambientes virtuais.
Comunicação, educação e cultura, sob o impacto das tecnologias eletrônicas, transfiguradoras dos sentidos, sob a égide dos fenômenos das interações transnacionais e da globalização, se escreve agora no plural, o qual, caracteriza o coletivo da multidão, sobretudo a inscrição da sensibilidade dos vetores, passando a con-figurar o sentido de presente continuum. (Virilio, 1995).
É o eterno presente de Einstein: “Os acontecimentos não chegam até nós, eles estão lá e os encontramos de passagem.” (Virilio, op. cit.). Presenciamos um inédito delineamento da produção cultural, tendo em vista as inúmeras globalizações em curso em diversos países e continentes, sobretudo latino-americanos, pois são experiências e historicidades sempre singulares de processos macroeconômicos mais amplos, complexos e globais. Canclini (1997) sugere novos tipos de recepção e apropriação; processos de circulação massiva e transnacional; novos processos de produção industrial, eletrônica e informática, reorganizando o então culto e popular e, finalmente, criando outros formatos.
Enquanto “outros formatos” propomos uma imaterialidade, algo imanente das práticas sociais e das sociabilidades em meio ao redemoinho de fluxos e conexões, inerentes e imanentes ao imbricado mundo das sociedades contemporâneas em rede: as articulações comunicativas.
A questão comunicacional emerge na contemporaneidade a partir da prática discursiva das estratégias dos jogos de linguagem reguladores dos antagonismos de interesses múltiplos heterogêneos e multifacetados. A fragmentação do discurso é ela mesma legitimadora do pensamento científico assim como a comunicação o é enquanto moldura epistêmica, cujo destino busca dar conta da produção fluida e plural das estratégias discursivas, assemelhando-se às regras do “bricolage”, jogos jogados no espaço público, enquanto desenraizamento da experiência coletiva.
A comunicação está em tudo. Tudo é comunicação, transitando num pântano invisível, transparente, entre linguagens, palavras, discursos, sons, falas, imagens, narrativas, abrigando ainda, a discussão de uma nova dimensão da realidade, propiciada pela velocidade da luz.
Comunicação passa a ser desgaste de energia, atrito, fricção, movimento intermitente, produção, consumo e pura circularidade. Paradoxal é perceber: a comunicação enquanto expansão, dispersão e circulação torna-se nula, incomunicável; é matemática; é informação. Para comunicar devem-se produzir articulações.
Culturas híbridas traduzem historicidades diferentes onde modos de vida globais e sistemas de significações se entrecruzam, produzem mesclas e miscigenações, nas redes fluídas, intercomunicandos povos, etnias e classes. Em verdade, são cartografias, a constituir um cenário heterogêneo e plural, onde passam a fazer parte atores antes esquecidos: negros, mulheres, crianças, homosexuais, índios, grupos e etnias os mais diversos. Os conceitos de Cultura e Identidade Cultural hoje aportam o sentido de cartografias culturais e sentimentos identitários, onde o substantivo cede lugar ao adjetivo, permitindo uma abertura qualificativa de várias narrativas e histórias, acolhendo vozes, rumores e falas até então excluídas.
Os estudos culturais consolidam uma posição no mundo acadêmico fazendo emergir a criação de conceitos como: topografias da memória, mediações, culturas híbridas, componentes identitários, além do emergente campo transdisciplinar da comunicação/educação e cultura. Uma nova cartografia cultural mundial se delineia a partir das transformações radicais advindas da base produtiva/tecnológica/informacional e política da sociedade contemporânea.
Na América Latina, tais transformações ganham dimensões específicas pela importância e velocidade do circuito da informação e o papel político dos grandes meios de comunicação na configuração dos Estados Nacionais, das modernidades tardias regionais, e ainda no conceito histórico- ideológico de nacional-popular, manifestado sobretudo nos anos 40 e 50 com o cinema e o rádio, e nos 60 e 70 com a televisão.
O papel dos meios de comunicação foi preponderante no contexto latino-americano, principalmente a televisão, “criando novas narrativas e construindo um imaginárioreal, tipicamente latino-americano, híbrido”, como diria Canclini (1997), e “criando um social irradiado e reinventando a cultura”, como afirma Muniz Sodré (1992). A este respeito, o hoje já clássico estudo de Jesús Martín-Barbero,“Dos Meios às Mediações” (1997), nos reporta ao entendimento de um novo modo de existência do popular surgido com a urbanização industrial, produzindo a mediação, ou seja, do modo individual de recepção.
As novas cartografias passam a constituir um cenário heterogêneo e plural, dão conta da complexidade do termo “Cultura”, não sendo mais possível nomeá-la no singular. Para Muniz Sodré (op. cit.), “a globalização tecnoeconômica produto de uma nova etapa qualitativa da planetarização acolhe a fragmentação territorial”. A virtualidade do mercado tende a nivelar culturalmente as diferenças de povos e costumes em função, deixando intocada a questão do etnocentrismo ocidental, sendo esta “a questão essencial da heterogeneidade simbólica”.
Atualmente, busca-se tipificar ou categorizar os embates multifacetados da sociedade em rede. Assim, as nomeações conceituais de Multiculturalismo, Pluriculturalismo e Interculturalismo constituem-se formações discursivas; portanto não são apenas posições integrais, incluindo as diferenças, plurarizando padrões, inter-relacionando grupos, etnias, gêneros e minorias, numa perspectiva democratizante. Tais conceitos são propostas de estratificação da complexidade e tematizam a questão das culturalidades no mundo de hoje.
A intensificação da circularidade informacional gerada pelo processo veloz de globalização, imbricado nas novas tecnologias comunicacionais, produz maior autonomia nos indivíduos, viabilizando a participação de inúmeros grupos, criando assim afinidades múltiplas e concomitantes, baseadas nas experiências interativas dos simulacros telemáticos. Tal intensificação vem ocorrendo de formas diversas, instalando um processo heteróclito de desmemória. Assim, os indivíduos passam a integrar comunidades culturais, arquetipicamente dadas como formas instaladas no imaginário social, mas pertencentes a tempos históricos distintos.
Para Negri e Hardt (2001), a produção biopolítica regula efetivamente os câmbios globais, como globalmente estão aprisionados a complexas redes de interdependência e correlação de poder e subjetivações. Segundo Featherstone Apud. Paiva, (1998), –contrapondose à globalização, à complexidade cultural e suas resultantes psicossociais na atualidade–, surge o fenômeno dos “localismos”, como resposta para abrandar as incertezas, a ansiedade, e o desejo de pertencer ou de permanecer em um local próprio. Para Raquel Paiva (1998) os processos de globalização e localização são indissociáveis e o comunitário emerge como alternativa à fragmentação social e à crise institucional, após o declínio do Estado do Bem-Estar Social.
Evidenciase o paradoxo: por um lado, a desterritorialização causada pela velocidade contínua de mudanças de escala e padrões tecnológicos nos remete a uma soltura existencial, por outro lado, será na condição de ser percebido pelo outro, em inúmeras subjetivações, como o indivíduo transnacional e customizado pelo mercado, adquire, malgré tout, a sua consistência mesmo fragmentária, das emergentes comunidades culturais.
As comunidades são alternativas de inserção política no fluxo polifônico da grande mídia, e, quando articuladas em torno de objetivos comuns, podem, enquanto grupo de forças dos fluxos de lutas locais, vir a estabelecer discussões e colóquios em forma de agendas, com os variados interlocutores sociais e políticos, visando ações afirmativas de seus interesses comuns. As comunidades e os indivíduos vão definir as articulações comunicativas.
Para a sociedade em geral, a ação educativa funciona como um mecanismo mediante o qual se reproduz em cada geração os ordenamentos disciplinários e se transmite o capital cognitivo, para o cumprimento das regras e funções sociais, assim como para o estabelecimento do discurso crítico. Nesta perspectiva, educação traduz o conceito de socialização. Porém há uma clara dimensão pessoal de desenvolvimento de potencialidades, de equilíbrio e resistência ao rompimento de capacidade de recomposição e, se levamos em consideração as representações da linguagem ordinária, também contém um certo padrão de excelência, qualidade e distinção, de valor? e qualidade de comportamento. Em contraponto, Deleuze e Guattari, afirmam: “a máquina do ensino obrigatório não comunica informações, mas impõe à criança coordenadas semióticas com todas as bases duais da gramática”.
O paradigma da educação no seu estatuto de mobilização, divulgação e sistematização de conhecimento implica acolher o espaço interdiscursivo e mediático da comunicação como produção e veiculação de culturas fundando um novo locus – o da interrelação comunicação/educação, aqui denominado Educomunicação.
O entendimento das práticas de intervenção social da educomunicação pressupõe abrigar o espaço das complexidades imanentes, das atualizações, construindo e tecendo redes inter-relacionais, adquirindo movimento. Barbero (2000) considera as redes de inter-relações como políticas, quando fala sobre a pluralidade das culturas em sua atual característica narrativa e sob o estrato das tecnologias das comunicações virtuais, baseada na legitimação enunciativa das mídias.
Huyssen (2001) lembra o papel da memória, enquanto substrato de culturas, expressas em narrativas e enunciados criativos, fugindo da historiografia teleológica e magistral. Ligadas às questões da política e ao fortalecimento da sociedade civil, expandem o debate público, curando o passado, alimentando as promessas futuras, “garantindo um tempo de qualidade”, necessidades culturais ainda não alcançadas no espectro da globalização, onde “as memórias locais estão intimamente ligadas às suas articulações”, articulações essas imanentes e comunicativas. Desta maneira, as articulações comunicativas são suposto de re-invenção de ancestralidade.
Para entendermos o conceito aqui proposto para as articulações comunicativas é necessário considerar o contexto da desestruturação, da incerteza, e da desregulamentação como princípios básicos reconfiguradores, como busca de novas formas de produção do conhecimento, questionando os princípios de rigidez e determinismo característicos do projeto metafísico e iluminista.
Como articulações comunicativas estamos nomeando as conexões de redes comunicacionais a produzirem agenciamentos enunciativos codificados em contextos específicos e singulares, territorializados, ou seja, localizados mas se movimentando em cadeias e redes semióticas, produzindo códigos novos, em meio a organizações de poder e de ocorrências - remetendo a toda uma gama de multiplicidades da micro-política social, valendo dizer: às lutas sociais, às artes, às ciências.
Propomos, na verdade, a nomeação de fenômenos comunicacionais como questão para os estudos epistemológicos, sobretudo a partir do processo histórico da dessacralização e, posteriormente, da legitimação das mídia, seu fluxo na sociedade, mas, sobretudo, pelo papel de construção de um novo ethos social quando a mídia passa a pautar o cotidiano social, sugerindo modos de ser e de fazer, portanto, modos de subjetivações.
O conceito propõe incluir, plasmar, registrar, sem permitir o aprisionamento, deixando sempre a fruição como possibilidade de leitura. A nomeação visa observar, fotografar, configurar as ações comunicativas e educativas como agenciamentos de micropolítica social.
Para abrigar os fenômenos comunicacionais nessa perspectiva em trânsito, sem deixar o sentido de início nem de fim, mas de algo incluso, fomos buscar inspiração na teoria das multiplicidades proposta por Deleuze e Guattari, (1995), pela força conjuntiva, de se constituir uma direção perpendicular, um movimento transversal, uma possibilidade de ser o lugar onde as coisas adquirem velocidade.
As articulações comunicativas dizem dos movimentos produzidos no estrato das micropoliticas sociais, comunicativos-culturais, inspirados nas linguagens de ancestralidades, das mídias, e das ações biopolíticas, a serem resolvidas no âmbito de experiências educomunicativas como uma das formas de reprodução de organização de poder singular de determinadas comunidades, deixando sua marca, assim como uma expressão em movimento, em vários âmbitos, atravessando as possibilidades, as margens, as redes, produzindo cadeias semióticas de toda a natureza , deixando rastros.
As articulações comunicativas abrangem os agenciamentos coletivos a acontecer no meio das interfaces disciplinares da comunicação e da educação, rompendo a rigidez caracterizadora do pensar epistemológico destas áreas do conhecimento humano.
Trata-se do movimento duplo de desterritorialialização e reterritorialização, indo buscar nas práticas comunicacionais, a criação de novos enunciados, produzindo articulações comunicativas singulares, multiplicidades a-significantes.
Podemos designar de Articulações Educomunicativas, aquelas práticas situadas nos âmbitos comunicacionais da Educomunicação, de onde emergem tais cadeias semióticas criando predominâncias para: a Interdiscursividade, a pluralidade de falas e vozes, ou seja, Polifonia e Multivocalidade; o Dialogismo e a Enunciação; os devires Éticos, Estéticos e Políticos; o uso das Novas Tecnologias de Comunicação e da Mídia; a Gestão Comunicativa em Espaços Educativos.
Segundo o filósofo Emmanuel Carneiro Leão, (1972), o homem é marcado por uma divisão entre a sua natureza e o seu devenir: ele faz, sendo influenciado pelas relações estabelecidas com a sua estirpe, sua ancestralidade. Para ele, o termo sacer dá conta dessa experiência onde o homem não depende da resolução dele, ele é um dote, e nesse presente se incluem várias dimensões: ele e a ordem donde ele brota, valores, costumes, singularidades e comportamentos.
As dimensões são marcadas por subtrair? possibilidades positivas e negativas para a ação humana e as quais o homem já traz em si mesmo. Sacer, segundo Carneiro Leão, é a mancha, a marcação de individualidade e de mistério.
A necessidade de regular a ação, regular as forças em desenvolvimento, para aquilo proporcionado pela natureza, faz o homem necessitar de uma mediação. Daí, que o verbo sancire vai abrigar a ação reguladora entre o homem e o homem.
A sanção envolve as duas dimensões, estabelecendo limites. Trata-se da mancha de concordância e discordância. Assim, o santo é quem sanciona os poderes, os recursos, as qualidades e produce o comportamento regulado.
A articulação comunicativa sancionada é um tipo de comunicação inspirada no sagrado, na ação a repetir o nascimento das forças da natureza da comunidade. A comunicação se legitima pela ancestralidade, pela consulta ao divino, ao poder regulador entre os dois mundos, estabelecendo limites entre esses dois universos ontológicos do homem
É uma comunicação mais característica de indivíduos, grupos e comunidades cujos princípios anscentrais tomam como ponto de partida o respeito ao sagrado, como paidéia, nas relações tensivas, estabelecidas na luta entre as forças do Caos e de Eros, no padecimento. São consultas e mediações entre o mundo visível e o invisível, na busca de adquirir respostas para as questões e ansiedades dos indivíduos, dos grupos, das comunidades.
Portanto, a articulação comunicativa sancionada se resolve mediante a interseção do sagrado, quando e onde for necessária a evocação do mistério, para ser cumprido o ciclo comunicativo.
A mídia como sistema legitimador de um novo ethos social conforme Muniz Sodré, passa a permear todos os processos enunciativos de organização do poder no contemporâneo. A articulação comunicativa mediatizada abriga todo o processo gerado a partir da influência exercida diretamente pela indústria cultural e pela mídia e reinterpretada pelo grupo social e/ou pela comunidade, vindo a produzir novos agenciamentos coletivos de enunciados (Deleuze e Guattari, (op. cit.), como expressão política e cultural, criando uma multiplicidade de novos códigos e expressões, resolvendo-se, uma vez mais, mediante ações comunicativas e educacionais.
São produções sociais, culturais, artísticas e políticas de indivíduos, grupos e comunidades produzindo movimentos de desterritorialização, inspiradas na mídia e no mercado transnacional, mas retornando recriados e re-significados e, de novo, produzidos para reiterar a visibilidade, a ação afirmativa e política de novos atores sociais.
No retorno, a articulação comunicativa mediatizada cria movimentos de reterritorialização e se intensifica produzindo novos enunciados; são redes semióticas estéticas e éticas expandindo, difundindo, transformando padrões e comportamentos, depois, dispersando.
As articulações comunicativas mediatizadas transitam nos fluxos da circulação de produtos da indústria da cultura, do entretenimento, do lazer, e do consumo, mas trazem as marcas das singularidades germinadas nos trânsitos das hibridizações culturais.
As articulações comunicativas negociadas promovem agenciamentos, vinculam-se à práticas singulares, envolvem discussões e disputas entre as partes com o objetivo de chegar a um ponto qualquer de interesse e visando a transformação ou mudança do ponto inicial, ou seja, produzindo algo novo negociado entre as diversas partes envolvidas na tensão dos jogos e lances.
O novo é atribuído no sentido de empreender maneiras ainda não descritas ou experimentadas naqueles contextos socioculturais, são relações e comportamentos programados, previamente pensados no sentido de promover alguma mudança no status quo.
Aproxima-se do termo comunicação gerativa, como uma variante do sentido de comunidade gerativa indicando também alguma espécie de negociação no âmbito das comunidades. Raquel Paiva (1998) utilizou o termo inspirando-se em Gianni Vattimo (Apud. Paiva 1998), quando este se refere à política gerativa, para nomear o conjunto de ações norteadas pelo propósito de interesses comuns, passíveis de serem executadas por um grupo e/ ou conjunto de cidadãos.
O sentido gerativo se propõe a contemplar a ação mais claramente voltada à concretização de programas de melhoria da qualidade de vida e consumo de grupos sociais estigmatizados e/ou excluídos, personagens permeando as franjas das sociedades pósindustriais. São articulações produzidas como alternativa à ação hegemônica da globalização planetarizada, neoliberal, do Estado mínimo, do individualismo, e da derrota do projeto iluminista humanitário e universal.
Paiva e Vattimo porém (estão) inspiram- se no princípio gerador, como se houvesse uma força em si, responsável por um centro de resistência. Inspiramos- nos nesses autores, mas dando continuidade ao movimento reflexivo, arriscamos propor o termo germinativo, pois se apresenta mais conjuntivo aos princípios aqui levantados.
Germinação leva a rizoma, a descentramento, a dispersão, complexidade e caos. Não são plantações, produzindo árvores, raízes, centros geradores.Trata-se, ao contrário, de descontrolar a sociedades disciplinarias (Foucault) e de controle (Deleuze e Guattari). Trata-se de fazer emergir verde de milhões de sementes espalhadas pelo planeta. São as multidões germinando, enverdecendo…. a paisagem onipresente do deserto globalizado.
O sentido de comunidades germinativas ganha força e deslancha como enunciação coletiva no pressuposto de cidadania enquanto forma política e discursiva de integrar o indivíduo, ou o grupo ao contexto urbano, político, mas sobretudo midiático, onde vai ganhar visibilidade e consistência. São os fluxos das lutas planetárias em favor da ecologia, banindo toda e qualquer forma de racismo e intolerência, exclusão.
As articulações comunicativas tratadas não se esgotam nos enunciados colocados, nem os enunciados se exaurem naquelas articulações. Poderá existir uma predominância de determinada articulação em práticas sociais singulares e podem ser encontradas ao mesmo tempo e em intensidades diversas em todas as comunidades e grupo sociais dispersas pelo mundo.
O importante é considerar as multiplicidades germinativas da comunicação, suas possibilidades enquanto processo criador de enunciados coletivos e políticos, numa nova dimensão, a dimensão das multiplicidades. As articulações comunicativas se propõem a servir como demonstração da possibilidade de práticas sociais específicas onde a questão da comunicação não se resolve nem se esgota apenas na forma fácil do consumo e do espetáculo, no imediatismo do entretenimento e do lazer.
Inspiram-se nas multiplicidades de mediações e referenciais, de entradas e de saídas e para serem resolvidas no meio, na forma educativa, traçando redes, conexões, construindo aprendizados, rizomas, onde já não há um centro gerador, mas vários pontos de onde partem transversalmente e vão se encontrando aqui e ali, sempre no meio de algo em movimento.
Finalmente, as articulações comunicativas tratam de conexões atuais e vão se construindo e pertencem a qualquer tempo, transbordam a rigidez do já concebido, do esperado, transgridem as comportas das permissões até então vigentes, reconfiguram o mapa da moral estética, vão produzindo encontros, mediando as bordas, corroendo as resistências, imanenciando clones, incontroláveis, aqui e ali, espelhando o outro singular, aquele interdito até então.
As articulações comunicativas plasmam o embate pelos novos planos de consistência, se espalham, se expandem, se difundem, brotam em toda a parte qual erva daninha.
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